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José Antonio Fichtner analisa o funcionamento da arbitragem em relações de franquia

por Plataforma dos Municípios
José Antonio Fichtner analisa o funcionamento da arbitragem em relações de franquia

O advogado avaliou o suposto dever pré-contratual de informar sobre os custos e funcionamento da arbitragem nas parcerias empresariais

A discussão sobre a existência de um dever de informar sobre os custos e o funcionamento da arbitragem tem se intensificado nos tribunais, principalmente com base em decisões do TJ/SP. Segundo o advogado e professor José Antonio Fichtner, duas correntes opostas emergem desses debates e este artigo busca contribuir para o diálogo, delineando padrões sobre a extensão do dever pré-contratual de informar ao parceiro de negócios sobre o funcionamento do procedimento arbitral e os custos envolvidos.

Contexto jurídico e caso analisado

Destaca-se o caso da Apelação Cível 1003513-24.2020.8.26.0271, decidido em 1º de junho de 2022 pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, sob a relatoria do Desembargador Alexandre Lazzarini. Nessa instância, foi examinada uma apelação vinculada a um contrato de franquia, com ênfase na cláusula compromissória.

Os apelantes sustentaram que o contrato continha uma cláusula compromissória prejudicial, pois esta obrigava o franqueado a optar pela arbitragem, infringindo o princípio do acesso à justiça. Além disso, argumentaram que não receberam antecipadamente informações sobre os custos da arbitragem, o que tornaria o acordo inválido.

Na análise do TJ/SP, dois argumentos fundamentais foram apresentados para justificar a invalidação da cláusula de arbitragem. Primeiro, a alegação de violação do dever de informação, uma vez que não foram devidamente esclarecidos ao contratante os detalhes operacionais e os custos associados ao procedimento arbitral, invalidando a cláusula de arbitragem. José Antonio Fichtner complementa que “a inclusão de uma cláusula compromissória em um contrato de franquia, mesmo atendendo aos requisitos formais da Lei de Arbitragem, foi entendida como possível abuso de direito, ao restringir o acesso ao Poder Judiciário”.

Divergências nas decisões do TJ/SP

A decisão judicial afirmou que “a informação e a explicação das condições do contrato de franquia são elementos essenciais para a validade da relação contratual em si”. O pronunciamento destacou que a ausência apropriada de informação e esclarecimento resultaria na invalidação da cláusula compromissória. Dessa forma, a decisão qualificou esse dever de informar como um requisito indispensável para a validade da cláusula de arbitragem.

A decisão declarou ainda que “o franqueado se encontra impossibilitado de recorrer ao sistema de justiça estatal devido à cláusula que institui a arbitragem como método de resolução de disputas” e que “o franqueado não dispõe de meios para acessar o sistema de justiça privado, uma vez que não possui recursos financeiros para suportar os custos associados a um procedimento arbitral”.

Dever pré-contratual de informar

Na própria jurisprudência do TJ/SP existem decisões que adotam uma posição oposta, como a Apelação Civil 1003245-29.2020.8.26.0510, julgada em 18 de outubro de 2021 pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, com relatoria do Desembargador Jorge Tosta. Nesse caso, a franqueada também buscava afastar a convenção de arbitragem, alegando desconhecimento dos custos do procedimento.

A Corte paulista rejeitou a argumentação da franqueada com base em três fundamentos:

  1. Pela franqueada ser uma empresária “afinada com questões comerciais, não podendo alegar ignorância ou erro em relação à cláusula compromissória”;
  2. Pela falta de cumprimento do ônus de auto informação, pois “cabia à contratante informar-se sobre tais questões, tendo a possibilidade de rejeitar a cláusula compromissória;
  3. Pela lei de franquias (Lei 13.966, de 26.12.19, art. 7º, §1º) permitir que as partes escolham a arbitragem para a solução de controvérsias.

Ao comparar essas duas decisões, três questões destacam-se para a análise do tema. Existe um dever pré-contratual de informar sobre os custos e o funcionamento da arbitragem? Se ele existir, sua violação implica na invalidade da cláusula compromissória? A inclusão de uma cláusula compromissória, em contexto de impecuniosidade – falta de recursos financeiros – da franqueada, pode caracterizar abuso de direito?

Sobre o dever pré-contratual de informar, José Antonio Fichtner afirma “é inegável o amplo reconhecimento desse dever genérico pelo direito brasileiro. Trata-se de um dever com base na boa-fé objetiva, visando proteger a integridade da esfera jurídica e a confiança nas negociações” e completa “no entanto, nas relações empresariais, esse dever adquire características específicas, considerando o padrão mínimo de diligência derivado do caráter profissional dessas relações, que serve como referência para os deveres pré-contratuais”.

Assim, em uma relação jurídica marcada pela boa-fé objetiva, é necessário preencher requisitos para estabelecer um dever pré-contratual de informação, sendo eles:

  1. a existência de uma informação relevante;
  2. o conhecimento da informação pela parte responsável por informar;
  3. o desconhecimento legítimo da informação pela parte interessada.

Custos e funcionamento da arbitragem

Os custos do procedimento arbitral, assim como outras questões essenciais ao seu funcionamento, normalmente preenchem esses critérios: são dados relevantes para o processo de contratação e são de conhecimento daqueles que optam pela arbitragem como meio de resolver conflitos.

Com dois requisitos atendidos, resta analisar a existência de desconhecimento legítimo da receptora da informação. O interessado na informação não pode alegar desconhecimento legítimo se puder obter a informação sozinha ou por meio de custos razoáveis.

A ordem jurídica impõe o dever de informar à parte que pode acessar mais facilmente a informação, como no caso de empresas de capital aberto ou árbitros que devem fornecer informações relevantes às partes.

O ônus da auto informação

Em contratos paritários – quando as partes se encontram em igualdade de condições –, o dever de informar de uma parte coexiste com o ônus de auto informação da outra. O dever de informar abrange apenas circunstâncias consideradas essenciais para o aceite do contrato e que não sejam facilmente acessíveis pela outra parte.

Nesse sentido, a Lei da Liberdade Econômica, determina que os contratos empresariais “são presumidos como paritários e simétricos, a menos que elementos concretos estejam presentes para justificar a exceção a essa presunção”.

O ônus de auto informação do franqueado deve seguir os padrões de qualquer relação empresarial, tornando raras as situações em que o franqueado pode alegar “desconhecimento legítimo” dos custos e do funcionamento da arbitragem. Essas informações geralmente são públicas, de fácil acesso, e caem dentro do ônus de auto informação do contratante.

Análise das decisões do TJ/SP

Somente em circunstâncias extraordinárias, como no caso em que o contrato de franquia é qualificado como um contrato de consumo, ou quando as informações relacionadas à arbitragem não são prontamente acessíveis, poderia surgir a necessidade de um dever pré-contratual de informar o franqueado sobre as ramificações da inclusão de uma cláusula compromissória.

É necessário analisar as consequências da eventual violação do dever pré-contratual de informar nos casos em que esse dever é exigido. A decisão da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP estabelece uma simetria equivocada entre a não divulgação de informações e a invalidade da cláusula compromissória.

A violação do dever de proteção pré-contratual resulta em responsabilidade extracontratual, não necessariamente levando à invalidação do negócio jurídico. A invalidade ocorrerá apenas se estiverem presentes os requisitos para configurar erro e/ou omissão dolosa essencial. Portanto, a mera ausência de informação não seria suficiente para invalidar a cláusula de arbitragem.

Caso de impecuniosidade

É necessário reconhecer que a adesão a uma cláusula de arbitragem, em certas situações, pode resultar na “inexistência de portas” de acesso à justiça, configurando uma prática ilícita. A arbitragem é um meio de acesso à justiça e não pode ser acordada de maneira a tentar impedir que uma das partes busque seus direitos.

Nesse sentido, a impecuniosidade não é suficiente para caracterizar abuso na contratação da arbitragem como forma de solução de conflitos. Na verdade, quando há impecuniosidade desde o início da relação comercial, essa deveria ter sido comunicada à contraparte.

Necessidade de parâmetros claros

A arbitragem já é reconhecida como um método jurisdicional adequado para várias situações envolvendo empresas em crise, em processos de recuperação judicial ou falimentar. A mera impecuniosidade não é suficiente para permitir a aplicação do instituto do abuso de direito e afastar a eficácia da cláusula de arbitragem.

Em resumo, é crucial formular distinções precisas, pois isso proporcionará critérios seguros e replicáveis para avaliar essas situações, visando maior previsibilidade e segurança jurídica. É importante que as decisões judiciais estejam alinhadas a requisitos claros e compatíveis com as premissas já consolidadas sobre a arbitragem em contratos de franquia, começando pela regra geral do caráter empresarial da relação.

Sobre o advogado José Antonio Fichtner

José Antonio Fichtner, formado em Direito pela PUC/RJ, ganhou reconhecimento internacional por sua notável carreira como jurista. Além de obter mestrados na Universidade de Chicago em 1990 e um MBA pela USP-Esalq em 2023, é o co-fundador do escritório Fichtner Advogados. Entre as suas experiências profissionais, ele possui mais de 35 anos de advocacia de disputas empresariais e 18 anos como Procurador do Estado do Rio de Janeiro, na área pública.

José Antonio Fichtner é respeitado nas principais instituições jurídicas arbitrais brasileiras, atuando como advogado, escritor, mediador, árbitro e professor. Ele lecionou em instituições renomadas como PUC/RJ, UFRJ, FGV/RJ e EMERJ, concentrando-se em temas como Arbitragem, Direito Processual Civil e Direito Eleitoral. Como autor, contribuiu com vários livros e artigos na área jurídica, sendo notável por sua participação na Comissão de Juristas responsável pelos anteprojetos de reforma da Lei de Arbitragem e da Lei de Mediação do Brasil. Sua excelência como advogado foi reconhecida em rankings globais de advocacia, onde manteve a posição de #1 no Chambers and Partners – Global e Latin America, assim como no The Legal 500 (EUA) por quase uma década.

Foto: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/mulher-no-vestido-que-segura-a-estatueta-da-espada-yCdPU73kGSc

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